12 de setembro de 2012

Nossa próxima atração: "Desmundo", em 15/9/2012

CINECLUBE DARCY RIBEIRO apresenta Desmundo (2002, Brasil, 101 min, cor)
Direção: Alain Fresnot. Roteiro: Sabina Anzuategui, Alain Fresnot, Helder Ferreira. Fotografia: Pedro Farkas. Montagem: Junior Carone, Alain Fresnot, Mayalu Oliveira. Música: John Neschling. Elenco: Simone Spoladore, Osmar Prado, Caco Ciocler, Berta Zemel, Beatriz Segall e outros.



Ao contrário da quase totalidade dos filmes que procuram representar fatos da história brasileira, Desmundo não é ridiculamente grandioso, gratuitamente irônico ou equivocadamente exótico. Na crueza da minuciosa reconstituição de época, vislumbram-se seres humanos — colonos portugueses, padres, freiras e noviças órfãs, indígenas escravizados — em ambientes, atividades e interações que bem podem ter sido aquelas que de fato ocorreram nos primeiros anos da ocupação da América pelos europeus.

Ou seja, nada de eufórica transferência dos melhores aspectos socioculturais lusitanos para as terras recém-descobertas, onde se irmanariam à inata nobreza e à profunda sabedoria dos locais. Isso é bem diferente do que faz crer certa visão eurocêntrica que romantiza, idealiza e falseia pessoas e fatos. É isso que se vê em Desmundo: a violência de gente enlouquecida de desejo em contraste com um ambiente extremamente hostil, no qual se transtornam as certezas, se emporcalham as crenças e se subvertem as esperanças. Nesse contexto, a religião, por exemplo, que se propõe a regular as relações interpessoais, naturaliza o abuso e humilha a pureza.

Osmar Prado ("Francisco de Albuquerque")
e Simone Spoladore ("Oribela")
A linguagem realista
Ainda nessa perspectiva realista, Desmundo distingue-se do ilusionismo melodramático recorrente na cinematografia inspirada em Hollywood pela opção de apresentar personagens que se exprimem na linguagem da época. (Já nos acostumamos com cavaleiros medievais, indígenas norte-americanos, asiáticos, extraterrestres, etc. que discursam fluentemente em inglês.) O diretor Alain Fresnot encarregou o escritor, pesquisador e linguista Helder Ferreira de recriar em português arcaico os diálogos do filme. Foi feito um elaborado trabalho de adaptação que, a partir de fontes diretas e indiretas, considerou não só a época (primeiras décadas do século XVI) como a condição social e de gênero dos falantes e até a presença de traços remanescentes de falares anteriores.

Assim, foi necessário recorrer a legendas em linguagem atual para benefício dos espectadores.

As escolhas do diretor
Caco Ciocler ("Ximeno")
“Minha primeira motivação em adaptar Desmundo [de Ana Miranda, publicado em 1996] para o cinema foi a grande qualidade do livro. [...] Um dos principais desafios que me coloquei ao adaptar o romance foi deslocar o foco da narrativa — transformar uma narração em primeira pessoa em uma história contada por uma visão exterior. O livro é narrado pelo olhar de uma menina, educada num mosteiro de freiras, que soma à sua religiosidade muitos sonhos. Oribela, no livro, tem seus delírios, há uma grande riqueza na parte onírica da personagem. Eu não me sentiria confortável se tentasse traduzir estes delírios em imagens. O que me interessou na transposição do livro para a tela foi a parte realista. A religiosidade da personagem também foi bastante diminuída em consequência de sua destituição do papel de narradora” (Alain FRESNOT, Impressões sobre a direção, in A. FRESNOT, H. FERREIRA & S. ANZUATEGUI, Desmundo, São Paulo, Imprensa Oficial, 2006, p. 14-15).

Alain Fresnot nasceu em Paris, em 1951, e veio para o Brasil com 8 anos. Exerceu e exerce quase todas as funções na atividade cinematográfica. Participou do grupo fundador da Tatu Filmes, empresa que ajudou a definir o perfil do cinema paulistano na década de 1980. É bem conhecido como montador — 31 títulos, dentre os quais O homem que virou suco (João Batista de Andrade, 1981) e A marvada carne (André Klotzel, 1987) — e também como roteirista, diretor assistente e produtor. Como diretor, além de Desmundo, realizou os longas-metragens Trem fantasma (1976), Lua cheia (1988), Ed Mort (1997) e Família vende tudo (2011), entre outras obras.

O “toque feminino” da roteirista
Simone Spoladore ("Oribela")
”Eu estava formada na faculdade de cinema fazia um ano e meio, em 1998, quando o Alain me convidou para trabalhar no roteiro de Desmundo. Ele desenvolvia o projeto havia quase dois anos, estava satisfeito com a linha narrativa, conforme me disse, mas queria melhorar os diálogos e acrescentar um certo ‘toque feminino’. Aceitei entusiasmada, depois de ler a versão do roteiro que ele me entregou, toda confiante no meu talento que ia afinal se descoberto, achando que era ‘a pessoa certa para aquele trabalho’, uma espécie de road movie feminino medieval, conforme me pareceu à primeira leitura” (Sabina ANZUATEGUI, Sobre o trabalho de roteirista, in A. FRESNOT, H. FERREIRA & S. ANZUATEGUI, Desmundo, São Paulo, Imprensa Oficial, 2006, p. 17).

A curitibana Sabina Anzuategui — roteirista, escritora, professora universitária e blogueira — vai debater o filme de Fresnot com os participantes do Cineclube Darcy Ribeiro, no dia 15 de setembro próximo. Será uma excelente oportunidade não só de conhecer as vicissitudes dessa realização, como aspectos da tarefa de roteirização, em especial quando se trata de adaptar uma obra literária à linguagem cinematográfica.



CINECLUBE DARCY RIBEIRO
Depois de um grande filme, sempre um bom debate
Debatedoras convidadas:
Sabina Anzuategui, doutora em Audiovisual pela ECA-USP, professora de técnicas de roteirização na Cásper Líbero, escritora e roteirista
Eliana Asche, graduada em Letras pela USP, doutora em Pedagogia pela PUC-SP, professora de Comunicação e Expressão na FESPSP, idealizadora do Projeto Literatura Espalhada de distribuição gratuita de livros

Este debate faz parte da programação do II Seminário de Leitur LiteraSampa, promovido pelo Polo LiteraSampa (http://literasampa.blogspot.com.br/).

Data: sábado, dia 15 de setembro de 2012
Hora: 13h
Local: Sala Florestan Fernandes (r. General Jardim, 522, Casarão, próximo à estação República do metrô)

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